Estratégia, Novos Negócios e o “Risco da Experiência”
Matheus Alberto Cônsoli
“A menos que os executivos façam um esforço consciente para perceber o mundo exterior…. o dia a dia da empresa pode cegá-lo da realidade verdadeira” (Peter Drucker, 1909-205)
Faz um pouco mais de duas décadas que tenho trabalhado com empresas no negócio de consultoria, participando de projetos variados envolvendo planejamento, revisão de estratégias, análise de modelos de negócios, além de estudos específicos usando nossa estrutura de inteligência para avaliar tendências para os negócios, especialmente no agro e no segmento de insumos agrícolas.
Com trabalhos em mais de 20 países e a diversificação de setores de atuação dentro e fora do agro, além de uma carreira acadêmica que me permitiu concluir mestrado e doutorado em paralelo, tenho refletido mais sobre as experiências na avaliação de negócios e tendências. Aprofundando em temas relacionados à inovação, empreendedorismo e como as decisões dos gestores são influenciadas pelo perfil profissional, histórico, cultura organizacional, relacionamentos e experiências, me incentivaram escrever esse material, compartilhando alguns insights das ricas experiências.
No início dos anos 2010 participei de um projeto com uma empresa que, dentre outras coisas, queria entender as tendências que direcionariam a atuação de distribuidores, cooperativas, traders e no comportamento do agricultor. Naquela ocasião, fomos desafiados a propor um modelo de negócios inovador para direcionar as tendências apresentadas e como a empresa poderia se beneficiar em termos de vendas, margens e acesso ao mercado. Após meses avaliando outros mercados, modelos de negócios e vendas, relacionamento e incentivos, desenvolvemos a proposta do novo modelo para o cliente. Quando da apresentação para a liderança da empresa, um dos responsáveis fez questionamentos, testou hipóteses e por fim gostou do modelo. Entretanto, para avançar ele queria uma prova! “- Quem no nosso mercado está fazendo isso?”, perguntou.
Ora, depois de uns segundos eu respondi…. ninguém! Se você quer um modelo “inovador”, é porque ninguém está fazendo da mesma forma…. se quiser algo pronto em uso no segmento, teríamos desenvolvido de outra forma. Meu ponto de discussão nesse caso é que empresas preferem “mimetizar” alguns de seus concorrentes ou empresas em mercados semelhantes, a de fato inovar. Mas inovar em modelos de negócios demanda investimentos e apetite a risco, o que infelizmente nem sempre está presente no perfil das empresas e dos tomadores de decisão.
Tenho mais experiências que destacam claramente o “risco da experiência”, onde os players de um setor estão tão focados no negócio atual e seu modelo operacional, e não conseguem visualizar mudanças potenciais e até negligenciam o que está relativamente próximo a acontecer, como retrata a fala de abertura creditada a Peter Drucker.
Numa experiência ao redor de 2010 fizemos um estudo para uma fabricante de produtos de nutrição animal, no segmento de aquacultura. A empresa já atuava nos mercados tradicionais de pecuária, pet food, suinocultura e avicultura. Tinha uma linha de negócios para aqua, muito promissora e rentável. A liderança queria pensar se o mercado de produção e processamento de peixes (em especial tilápias) migraria para algo “parecido com o modelo integrado de avicultura”. Entrevistamos muitos atores do setor e a conclusão é que não haveria um movimento de integração no negócio de piscicultura. A história, entretanto, mostra um resultado diferente, pois este modelo começou a ocorrer. Integrações atualmente existem em regiões e algumas cooperativas (tradicionalmente de aves) ampliaram atuação para aquacultura!
Um outro caso envolveu um estudo de tendências de consolidação dos canais de distribuição de insumos para uma indústria fornecedora. A pergunta era como seria o processo de consolidação, as implicações para os fornecedores de insumos e se as indústrias fornecedoras iriam comprar canais, verticalizando. De modo semelhante, falamos com distribuidores, especialistas e fornecedores no Brasil e outros países. A conclusão foi que a consolidação aconteceria, fundos entrariam no mercado, e a estrutura alteraria a posição competitiva dos players…. Essa história já conhecemos e aconteceu!
Mas sobre o tema de se os fabricantes comprariam distribuidores, tanto a leitura dos fabricantes e dos distribuidores/revendas foi que não! O argumento era de que os modelos operacionais, complexidade, demanda de capital e margens muito diferentes não justificariam a entrada de fabricantes no segmento de distribuição de insumos. Novamente, os players tiveram uma leitura limitada a um período relativamente curto. Hoje sabemos que no Brasil e alguns outros países, com menor ou maior grau de consolidação, fabricantes tradicionais adquiriram, abriram e ainda poderão a entrar no negócio de distribuição.
Em uma outra experiência desafiadora, uma empresa do segmento de defensivos agrícolas solicitou uma análise dos grupos estratégicos e quais movimentos poderia esperar, e como a empresa deveria se preparar. Depois de uma avaliação das movimentações globais, integração de negócios e mapeamento de tendências, classificamos três grupos estratégicos e posicionamos a empresa em questão em um dos grupos estratégicos, argumentando para onde ela estava “naturalmente” se deslocando com seu modelo. A partir disso, recomendamos uma movimentação diferente: aquisição de uma concorrente ou ao menos um portfólio específico onde havia debilidades, e que se preparasse para entrar no negócio de sementes via aquisições.
Para nossa surpresa o líder da unidade de negócios respondeu: “- nós nunca teremos sementes”. A história mostra que não foi bem assim… Passados alguns anos houve uma forte consolidação nos negócios e essa empresa ajustou seu modelo e aquiriu um negócio de sementes e outros produtos, bem mais caro que se tivesse se movimentado antes.
A experiência de mais de 20 anos mostra que por diferentes motivos os decisores tiveram algum grau de miopia. Não enxergaram mudanças ou sinais de movimentos que transformariam os negócios aos quais estavam envolvidos, por estarem muito preocupados ou “distraídos” com problemas internos, amarrados com o modelo vigente ou muito longe do mercado e dos sinais dos clientes. Nessa linha, existe inclusive citações em livros de inovação de que mesmo Steve Jobs, ainda quando estava focado em fazer o negócio de computadores da Apple crescer, foi apresentado a um protótipo de telefone celular, e teria dito: “- A Apple nunca produzirá telefones”. Esses casos e já alguma experiência tem me desafiado a questionar mais para contribuir decisivamente para as dinâmicas estratégicas dos negócios.
Há pouco tempo uma empresa envolvida no negócio de sementes de soja solicitou uma análise de oportunidades no negócio de sementes de milho. Dentre outras questões envolvidas, “iriam os sementeiros e multiplicadores de sementes de soja de alguma forma se envolver e migrar também para o negócio de milho”? Fomos ao mercado, levantamos dados e histórico, comparamos movimentos em outros segmentos e entrevistamos especialistas, processadores e sementeiras sobre o assunto. Para surpresa, a grande maioria dos entrevistados disse não. Os negócios são muito diferentes, complexos e soja é soja, e milho é milho…. Fomos mais a fundo e debatemos os resultados e com uso de outros métodos e desafiando o status quo, decidimos contrariar o resultado “puro”, recomendando que a empresa deveria avançar numa estratégia de “integrar” o negócio de sementes de soja e milho na rede de multiplicadores e estruturar um modelo para aproveitar a esperada mudança antes dos concorrentes.
O resumo e inquietação com essas experiências e estudo de padrões de outros setores e casos, é que a mudança de modelos de negócios e inovações não devem se embasar apenas nas discussões e opiniões de quem está “dentro do negócio”. Uma certa dose de risco deve ser considerada pelos inovadores. Sem isso, as empresas tendem a ficar entrópicas e manter um ciclo de concentração demasiada no modelo estabelecido, o que acaba incentivando o “mais do mesmo” e um processo de “segue os concorrentes” e acaba por manter algumas empresas incumbentes de sucesso em um ciclo de poucas inovações de negócios (não estou tratando de inovações de produtos nessa abordagem).
A mensagem final deste texto é que para inovar os modelos de negócios é preciso mais. É preciso olhar para fora, oxigenar aprendizados e criar de fato novas formas de entregar valor para os clientes, que estão sempre em evolução e mudança. Há que se ter cuidado com o risco da experiência e buscar se abrir para novas ideias, avaliá-las, testá-las e então implementá-las de maneira cuidadosa e efetiva.
Fica aqui o convite à inovação, pois o agro e os clientes merecem mais! Pensem nisso, reflitam e tenham ótimo trabalho, sempre desafiando o que está colocado, pois pode haver algo melhor!